segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O monge budista e os ensinamentos do meu avô

Em maio deste ano Matthieu Ricard – monge budista que foi honrado como “o homem mais feliz do mundo” pela mídia popular - esteve no Brasil para alguns eventos e eu tive o privilégio de participar de um encontro em que ele palestrou. Na ocasião, dentre várias citações e ideias tocantes, ficou para mim uma mensagem central: o ser humano é essencialmente bom. Sim. Esqueça tudo o que você já ouviu e ouve nesse sentido, desde “o homem é o lobo do homem” até “atualmente é tão difícil encontrar pessoas boas, honestas, etc, etc”. Somos TODOS potencialmente bons, o que necessitamos é descobrir como explorar este potencial e ajudar aos outros que estão ao nosso redor a fazer o mesmo.

Matthieu Ricard - Foto: Associated Press
Em seu livro “A Revolução do altruísmo” Matthieu cita um fato curioso. Uma pesquisa realizada com os norte-americanos fez a seguinte pergunta “quem você mais admira, o Dalai Lama ou Tom Cruise?” 80% responderam “Dalai Lama”. Entretanto, quando questionados, “qual dos dois você gostaria de ser?” 70% dos entrevistados responderam “Tom Cruise”. Isso, segundo ele, demonstra que reconhecer os verdadeiros valores humanos não nos impede de sermos “seduzidos pelo engodo da riqueza, do poder e da celebridade e de preferir a perspectiva de uma vida glamorosa à ideia de um esforço de transformação espiritual.”

Essa sedução que ele cita me incomoda bastante e, por vezes, me angustia. Em diversos momentos, me pego pensando o que estou fazendo para de fato ajudar quem precisa. E mesmo quando identifico algumas ações, a angústia ainda permanece: será que eu não deveria fazer mais? A resposta é sempre sim. No entanto tenho aprendido a cada dia que fazer o bem não necessita de grandes oportunidades, são pequenas sementes de amor a serem plantadas todos os dias. Precisamos abrir o coração ao outro para que ele também abra o seu a nós e nos mostre toda sua generosidade. Claro que existe um enorme valor nas ações coletivas e super impactantes, entretanto, não é mandatório uma grande mobilização para praticar a bondade. Todos ao nosso redor carecem de amor, solidariedade e compaixão. Há uma frase atribuída a Madre Teresa que diz “Nunca se preocupe com números. Ajude uma pessoa de cada vez, e sempre comece pela mais próxima de você”. Direto, simples e transformador.

Desde que ouvi Matthieu falar, e comecei a ler o seu livro, volta e meia me lembro de uma frase que meu avô costumava dizer e sempre me marcou: ”tem gente ruim nesse mundo, mas, com certeza, tem muito mais gente boa”. Era o jeito dele de falar sobre a essência bondosa do ser humano explicada pelo monge. Ele era um homem simples, com um coração amoroso e cheio de fé. Não possuía dados formais para confirmar suas palavras, somente uma rica experiência de vida pautada no desapego e na generosidade. Tinha sempre um sorriso no rosto e era verdadeiramente feliz.


Seu exemplo me deixou uma lição: se quisermos estar sempre cercados por pessoas do bem a maneira mais efetiva é procurar sempre fazer o bem e, assim, colher o melhor lado do outro. Pode parecer clichê e ao mesmo tempo desafiador, mas, com certeza, vale a reflexão e, principalmente, o esforço. Matthieu enfatiza em seu livro ser essa, juntamente com práticas de meditação, a única forma de se encontrar a felicidade. E, como eu disse no início, ele tem experiência no assunto...

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Você é psicóloga?

Foto: reprodução web
Hoje me aconteceu algo bastante curioso. Conversando com uma pessoa que eu havia conhecido há alguns minutos e que expunha uma condição de vulnerabilidade (veja não estou usando a palavra fraqueza, e sim vulnerabilidade; se quiser saber de forma mais clara a diferença, recomendo este vídeo) eu tentei ao máximo me colocar no lugar dela. Como o assunto era a culpa ao comer e eu já estive em “lugares parecidos com este” algumas vezes, não foi uma tarefa muito difícil.

Ainda assim, ouvi com meu coração. E em vez de julgar, criticar ou até mesmo pensar que já sabia a resposta, tentei me conectar com o que ela sentia e falei algumas palavras de carinho e acolhimento. De forma natural, sem pretensão. No final dessa breve interação ela agradeceu a conversa e me perguntou: Você é psicóloga? Soltei uma risada natural e disse: não, engenheira! Ela também sorriu e agradeceu mais uma vez.

No entanto, esse questionamento, aparentemente bobo, me fez refletir porque é tão raro conseguirmos acolher verdadeiramente a dor e os sentimentos alheios, nos conectar por inteiro com o outro.  Essa dificuldade faz com que, nas raras vezes que conseguimos, quem é amparado se sinta grato mas ao mesmo tempo admirado. “Deve ser um profissional no assunto, não um ser humano ‘qualquer’”.

Eu também não tenho a resposta, não sei porque é tão árduo alcançar o coração alheio de forma real, suave e afetuosa. Acredito, porém, que a resposta passe pelo fato de não sermos capazes, em diversas situações, de acolhermos a nós mesmos e lidar com nossas próprias incertezas, angústias e dores. Sendo assim, é melhor ignorar, engolir seco e seguir em frente, pois acolher o outro pode significar ter que me encarar de frente, me despir, e isso já não sei se estou disposta, principalmente por não saber onde posso chegar.

Talvez falte leveza no olhar. Falte a percepção dos fatos como acontecimentos e não como causas de um tribunal que esperam julgamento. Acolher o outro é ouvir com o coração sem ficar preocupado em encontrar culpados na fala alheia. Não é necessário colocar os fatos em caixinhas de certo e errado. É abraçar o coração da outra pessoa sem exigir dela ao abraço de volta ou uma justificativa. Esse amparo pode ser por meio de palavras ou num “formato físico”, como um abraço, um carinho. Qualquer gesto de apoio e amor que demonstre ao outro que o valor dele é muito maior que qualquer frustração ou dor daquele momento. É como aquele abraço dado a uma criança que acabou de machucar seus joelhos, precisa de sentimento e entrega, não necessariamente de entendimento...

Acolher a nós mesmos segue passos muito parecidos. Começa por sermos verdadeiramente gentis conosco. Afastar qualquer culpa e repetir carinhosamente que, apesar do que nos traz desconforto ou tristeza, temos sim muito valor e merecemos nosso próprio abraço para seguir em frente.

O ato de acolher é reforçado nos dois sentidos. Quando acolhemos o outro nos tornamos um pouco mais capazes de abraçar a nós mesmos. E quando nos acolhemos, nos tornamos mais preparados para nos conectar com o coração de outrem. Trata-se de um exercício que, como qualquer outra coisa, por meio da prática, vamos nos aprimorando aos poucos. E como vale a pena... A gratidão de quem se sentiu cuidado reflete imediatamente em que pôde cuidar. E essa conexão é o próprio amor em uma de suas mais bonitas formas!

quarta-feira, 4 de março de 2015

Que a rotina vire felicidade

Um dia como outro qualquer...
Foto:Freeimages.com
Um dia desses, no casamento de uma amiga querida, o celebrante fez a seguinte reflexão direcionada aos noivos (não exatamente com essas palavras, claro): “Aproveitem muito o dia de hoje, com certeza será um dia que vocês guardarão para sempre no coração e na memória. Dias como esses são muito importantes, mas não se esqueçam, a nossa vida acontece na rotina, nos dias comuns”.

Algo que parece tão óbvio me fez pensar como passamos o tempo todo em busca de acontecimentos incríveis e singulares e, dado isso, acabamos nos esquecendo de viver a rotina, o comum. Atualmente noto que há um grande medo assolando o ser humano, o de ser uma pessoa comum. Ser um profissional comum, ter uma família padrão, alegrias e tristezas normais...

É necessário viver momentos incríveis e realizar proezas a todo momento, caso contrário para que serve essa vida? As redes sociais, com toda certeza, agravam esse fenômeno. Como a minha volta todos amam o trabalho, fazem a viagem do sonho, têm uma família perfeita, são emocionalmente equilibrados e só vivem dias espetaculares – mesmo que para isso glamourizem a rotina ou até mesmo o sofrimento – quem seria eu para ousar viver uma vida comum? Provavelmente, um fracassado.

Reconheço que é delicioso e até mesmo difícil de explicar o que sentimos quando nos casamos, fazemos a viagem dos sonhos, somos promovidos no trabalho ou alcançamos qualquer feito importante para nós. Trata-se de uma mistura de bons sentimentos para qual não existe nome. Entretanto, isso não é o que acontece na maior parte dos nossos dias, aqueles corriqueiros, de lutas e pequenas conquistas. A vida real é feita da rotina, da correria do dia a dia, dos momentos de tristeza e mau humor, das angústias acerca de nossas escolhas, e claro, das “pequenas grandes alegrias”. Alegrias essas que nos arrancam um sorriso verdadeiro e, por milésimos de segundo, nos fazem esquecer da felicidade do futuro. Pode ser um pedacinho bonito do caminho até trabalho, um encontro com as amigas, um elogio sincero ou um beijo carinhoso de boa noite.

Eu almejo sim batalhar pelos meus sonhos e viver intensamente o contentamento de suas realizações. Pois como o celebrante falou, esses instantes de glória são importantes, e, muitas vezes, inesquecíveis. Contudo, espero ter sempre a consciência do que a vida realmente é feita. Não quero sentir angústia ao final de cada um dos inúmeros dias comuns, nem estar sempre pensando no futuro ou ainda necessitar viver eventos magníficos para me sentir plena. Quero ousar ser feliz nos dias ordinários, em que nada e, ao mesmo tempo, tudo acontece. E quero além disso atrever-me a me sentir completa e em paz com essa felicidade.

Há uma frase por aí que diz: “que a felicidade vire rotina” acho que prefiro a versão: “que a rotina vire felicidade”.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

10 coisas que não irão te fazer mais feliz


De um tempo pra cá, tem chovido artigos na minha timeline do Facebook do tipo: “10 coisas que os casais felizes fazem”, “6 atitudes de pessoas bem sucedidas”, “12 maneiras de ser feliz com você mesmo”, “ 7 hábitos das pessoas magras”. Já li vários deles, acredito que alguns tenham insights bem interessantes e que muitas vezes essa estratégia (“a das x coisas blá blá blá”) é usada como forma de atrair a atenção dos leitores. O que me incomoda, no entanto, é que esse excesso de listas das atitudes ideais demonstra como esquecemos o fato do ser humano ser único, cheio de particularidades. É necessário ficar todo o tempo colocando as pessoas em caixinhas, ou melhor, neste caso, em listinhas. 

imagem: reprodução web
Os padrões têm a importante função de reduzir a variabilidade dos acontecimentos e assim encontrar a solução do problema mais rapidamente. Já pensou se toda vez que alguém apresentasse sintomas de uma infecção na garganta fosse necessária uma extensa investigação individual do paciente? Seria extremamente ineficiente. Por isso existe um padrão de tratamento relacionado a sintomas (também padrões) apresentados pelo indivíduo. Esse tratamento pode até ser ajustado de acordo com especificidades menos importantes de cada paciente, mas seguirá um modelo bem claro caso não haja outros complicadores aparentes.

Faço, portanto, uma reflexão: faz sentido enxergarmos todas as questões individuais, com alto componente emocional, como uma dor de garganta? Será que existem alguns antibióticos capazes de tornar um casal feliz, fazer alguém bem sucedido profissionalmente ou encontrar o amor da vida? é eficaz tratar só os sintomas e ignorar as causas? depois de ler um texto deste tipo alguém se torna de fato mais feliz, rico ou magro? Provavelmente não.

Vivemos a era da cultura da escassez. Todos os dias acordamos como se já estivéssemos devendo algo. Temos mais coisas a fazer do que é possível e quando conseguimos fazer tudo, nunca julgamos que fizemos da melhor maneira possível. Além de nos desdobrarmos desse jeito é necessário ainda seguir os passos da listinha que nos ensina a ser feliz?

Como falei acima, existe sim alguns insights interessantes em tais textos. Contudo eles só são úteis quando despertam em nós o desejo de nos conhecer mais profundamente e entender quais são os reais motivadores das nossas ações. Passar todo o tempo colocando as pessoas em caixinhas não só não irá resolver as questões mais complexas que cada um carrega, como arrisco dizer que irá piorá-las. Esses “modelos ideais” acabam por reforçar o sentimento de inadequação que paira sobre nossas vidas nos dias de hoje.

Não existe receita perfeita para ser bem sucedido profissionalmente, encontrar o amor da vida, emagrecer (emagrecer não envolve somente fazer dieta e atividade física – aqui minha experiência) ... Existem diversos fatores não abordados na listinha e que funcionarão de forma diferente para cada indivíduo. Nos inspirar em quem conseguiu algo que almejamos é sim muito válido desde que carreguemos no coração a leveza e a beleza de sermos únicos, sendo sempre capazes de nos amar e de encontrar soluções próprias para os nossos dilemas e desafios.

Não nos esqueçamos das nuances.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O banho de cachoeira e as amigas de cada dia

Foto: reprodução web
Um dia desses recebi uma mensagem de uma amiga querida, logo após a leitura de um texto que eu publiquei. Dizia algo assim: “adorei o texto. Que saudade, conversar com vocês (referindo-se ao nosso grupo de amigas da faculdade) é como tomar um banho de cachoeira”. Nunca tinha pensado numa definição como essa, entretanto, para mim foi perfeita.

Uma conversa com as amigas realmente é isso, um banho de cachoeira. Um banho revigorante, que acorda e lava a alma. Pouquíssimas coisas nesta vida são tão boas quanto estar na presença delas. Irmãs, primas, amigas de colégio, da faculdade, do trabalho, da vida. Não importa como foram “adquiridas” – para falar a verdade, algumas eu nem sei como se tornaram minhas amigas...

Quando tudo está pesado demais e precisamos desabafar não existem ombros e ouvidos melhores. Quando tudo está pesado demais e não temos força para desabafar, falar com elas sobre outros assuntos e rir de coisas bobas fazem os problemas não só parecerem menores, mas, realmente, ficarem menores. Esses encontros possuem algo de mágico: sempre há um buraco negro que puxa parte do peso que está sobre nossos ombros. Saímos mais leves sem que alguém saia mais pesada.

E com as partes boas da vida não é diferente. A felicidade delas sempre aumentará a nossa. Lembro-me perfeitamente quando liguei para uma das minhas melhores amigas, que estava morando nos Estados Unidos, para contar sobre o começo do namoro com o Bernardo, meu marido (uma história de cinema, quem sabe um dia conto aqui). De repente ela começou a chorar do outro lado, emocionada com a minha felicidade. Existe algo tão puro e valioso quanto isto?

Tem as que estão todo dia ao nosso lado e não há nada que elas não saibam, são capazes de prever nossas reações melhor que nós mesmas. Existem outras que as escolhas feitas e as surpresas da vida nos afastaram um pouco, porém são sempre um refúgio seguro nos momentos de turbulência ou uma lembrança que aquece o coração.

Aprendi no berço a importância de se manter as amizades e em se fazer sempre novas. Meus pais são cercados de amigos queridos. Alguns já estão ali há anos (como as “meninas do colégio”, amigas da minha mãe), outros foram aparecendo ao longo da jornada e sempre há espaço para novos. Cada ser humano é único, achar que já temos amigos na quantidade suficiente é perder uma oportunidade enorme de aprender com o outro e ser feliz de novas maneiras.

Morro de preguiça quando alguém diz que não existe amizade verdadeira entre mulheres, principalmente quando isso é dito por uma mulher – nesse momento só desejo que ela possa ter experiências futuras que a faça mudar de ideia. Tenho amigos muito especiais, no entanto, existe alguma coisa de especial no que diz respeito às amizades femininas. Algo de cumplicidade, de “eu sei como você se sente”... Talvez seja a mesma cumplicidade que os homens têm entre amigos em seus rituais masculinos – a pelada de terça a noite, o time de futebol, o videogame. Para nós basta um lugar, qualquer que seja. Pode ser um jantar regado a vinho, um bar para tomar uns “bons drinks”, um almoço, uma ida a padaria ou a um café no fim do dia, uma pizza em frente ao sofá, uma volta ao parque, pode até mesmo ser um telefonema ou uma “conversa maiorzinha” no whatsapp... É sempre um delicioso banho de cachoeira!

Às mulheres da minha vida, todo meu amor e gratidão.

“Todo dia eu agradeço tanta gente que conheço
E num mundo tão avesso, essa gente não tem preço,
Pois são demais, são pura Luz”

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O amor que nos torna humanos

Foto: freeimages.com
Li recentemente “Memórias de Minhas Putas Tristes”, livro simples, agradável e genial. No livro, a personagem principal, um velho escritor solitário, se entrega pela primeira vez aos mistérios e delicias de amar alguém aos 90 anos, quando “não se tem mais nada a perder”, quando o risco aparentemente é menor.

Amar realmente é um grande risco que corremos. Podemos jurar amor eterno hoje, acreditar que é pra sempre e amanhã tudo pode acabar: a pessoa pode deixar de te amar, pode deixar este mundo...

Não há garantia alguma e isso por vezes nos apavora. Algumas vezes, em resposta, criamos armaduras e não nos deixamos envolver. Outras, mesmo nos envolvendo, alimentamos a ilusão que podemos controlar este risco e passamos então a querer controlar o outro. É como se, de alguma forma, ao controlarmos as ações do outro conseguiremos controlar seus sentimentos e vontades. Quanta utopia...

Sempre fiquei impressionada como todas as pessoas são vulneráveis quando o assunto é amor. Até mesmo algumas que considero mais maduras e serenas se comportam de forma surpreendente quando o assunto é o relacionamento amoroso. Enfatizo aqui o amor romântico entre um casal, porque talvez seja onde estes medos e inseguranças se manifestem de forma mais intensa, contudo, acredito que nosso comportamento pode ser bem semelhante quando se trata de outros relacionamentos, como as amizades, relações entre pais e filhos, etc.

Muitas vezes, a necessidade de se ter controle e segurança nos faz agir de maneira impulsiva e incoerente. O fato de querer garantir que o outro nos ame sempre e para sempre nos faz perder a magia e a leveza que o amor pode nos oferecer.

Quando que me pego tentando controlar o outro, tento decodificar este sentimento para poder transformá-lo. Em primeiro lugar, é necessário se colocar em posição de igualdade em relação ao outro. Se sentir digno do amor que recebemos é essencial para retribuirmos com a mesma pureza e genuinidade. A culpa, se sentir pior que o outro, não merecedor deste amor, não irá nos fazer pessoas melhores e nem nos fará agir de modo melhor. Pelo contrário, só causará mais conflitos e nos levará a mais ações que boicotem nosso bem estar e felicidade, gerando consequências diretas na outra pessoa. Também é importante notar se não estamos nos sentido superiores de alguma forma, pois se assim o fizermos, iremos manifestar isso em nosso comportamento e mais uma vez será impossível atingir um estado de ternura e afeto mútuo.  

Além disso, não devemos entender como sinal de rejeição qualquer atitude do outro que é diferente daquilo que esperávamos.  – afinal, como pensamos que podemos controlar tudo, temos predefinida a listinha de “reações esperadas”. O outro, assim como nós, é um ser humano complexo e que possui questões e angustias próprias. Devemos exigir respeito sempre, não devemos nos rebaixar ou nos deixar ser agredidos. Porém existe uma distância enorme entre uma agressão e um comportamento que não é exatamente o que esperávamos.

Por último, e quem sabe a parte mais importante deste exercício pessoal, é preciso encarar os fatos. Realmente não há garantias. Tudo pode dar errado. E ai? Não vale a pena amar e ser amado? Claro que vale. Vivemos envolvidos na “cultura da vitória”. Algo só compensa quando um padrão estabelecido de sucesso é alcançado. Se lutarmos e falharmos é nos dado um titulo oficial de perdedor, de coitado. Em outro livro que li há poucos dias, a autora diz que deveríamos fazer a seguinte pergunta antes de tomarmos um risco: “o que eu faria que ainda que eu falhe terá valido a pena?”.  Entretanto, geralmente nos perguntamos: “o que eu faria se soubesse que não iria falhar?”... Perguntas semelhantes, no entanto com respostas que nos levam a atuações bem diferentes. Como falei no último texto (leia aqui), é preciso ter coragem para viver sob incertezas. O processo de nos entregar e conseguir amar com plenitude requer perceber que ser feliz não é uma questão de controle. Passa-se muito mais por aceitar a falta dele.

Provavelmente, nunca aprenderemos a lição de forma completa e definitiva. O amor será sempre um constante recomeço repleto de descobertas, e, acima de tudo, será sempre um risco a ser corrido... Mas fico me perguntando se existe algo neste mundo que nos torna mais humanos que sonhar e se deliciar com essa face desconhecida do amor?

domingo, 21 de setembro de 2014

A coragem de ficar

Foto: reprodução Web
Há uns quatro meses, eu e o meu marido fomos passar uns dias na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Um lugar deslumbrante, com paisagens de tirar o fôlego, desses destinos que despertam no fundo da alma aquela vontadezinha de largar tudo e ir morar lá. Conversando com a recepcionista do hotel em que estávamos hospedados, descobrimos que ela e o marido eram advogados e haviam feito exatamente isso. Deixaram para trás a vida estressante que tinham em São Paulo (ela trabalhava em um escritório e ele estudava para prestar concurso público) e foram residir neste paraíso.

Quando ouvimos este tipo de história, inevitavelmente, é despertado em nós um sentimento de admiração combinado com uma pontinha de inveja de quem tomou tal atitude. Mais tarde, no mesmo dia, ainda com esse sentimento pairando no ar, o Bernardo fez o seguinte comentário: “é muita coragem largar tudo e vir viver aqui”. Apesar de não discordar da afirmação dele, comecei a refletir sobre o oposto: é também muita coragem ficar.

Não faço aqui nenhuma crítica a quem ouve a voz de um sonho e muda totalmente sua realidade, significando isso mudar de cidade, profissão ou abandonar qualquer condição pré-estabelecida e que aparentemente é imutável. Entretanto, é preciso também muita coragem para enfrentar os problemas do dia a dia a cada manhã, arregaçar as mangas, levantar a cabeça e seguir em frente.

É preciso mais coragem ainda para se encarar, para identificar, ouvir e compreender seus medos mais escondidos, suas vergonhas mais assustadoras e, sem ficar entorpecido por tais sentimentos, permanecer no combate... Continuar mesmo sabendo que somos imperfeitos, que nunca atingiremos a perfeição e nos amar por sermos desse jeito.

Mudar de cidade, de país, de faculdade, de emprego, de namorado, de grupo de amigos pode contribuir muito para sermos mais leves, mais livres e por que não mais felizes. Não há dúvidas que o ambiente a nossa volta nos afeta e influencia diretamente nosso grau de felicidade. Além disso, mudanças dessa natureza, inquestionavelmente, podem ser os gatilhos que tanto precisamos para iniciar um caminho de descoberta de nós mesmos.

Quando olho para trás, vejo que ter ido morar fora do país, mudar da minha cidade natal após a faculdade, mudar por duas vezes o rumo da minha carreira foi de extrema importância para meu amadurecimento e para que eu compreendesse melhor meus desejos e anseios. Foram tais mudanças que me deram fôlego para continuar a caminhada, que abriram meus olhos para novas possibilidades e renovaram minhas forças e esperanças.

Contudo, de nada adianta mudar aquilo que nos incomoda no exterior sem remexer verdadeiramente nos nossos entulhos e caminhos internos. É preciso compreender e, principalmente, se apropriar dos nossos desejos, dos nossos medos e dúvidas.

Por um tempo, pode até parecer que a situação foi resolvida com a mudança ambiental e aquilo que nos incomodava pode ser abafado momentaneamente... Todavia quando menos esperarmos, quando algo começar a nos atormentar – pois seja em Pipa, em Nova Iorque ou na Austrália, seja no emprego dos nossos sonhos, seja com o amor da nossa vida haverá problemas e desconfortos – esses temas voltam a nos causar chateação. Algumas vezes voltam de forma menos sútil que anteriormente, nos forçando a parar e a entender que o problema inicial talvez nem fosse aquele chefe chato ou a cidade onde morávamos. Pode ser que “a nossa pedrinha no sapato” tivesse muito mais a ver com nossas arquiteturas internas e nossa maneira de lidar com as situações do que poderíamos imaginar.


Que possamos sempre ter a coragem de seguir em frente e principalmente a coragem de ser feliz, seja morando em São Paulo, em Pipa ou no Japão.